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segunda-feira, 7 de junho de 2010

Albert Einstein

ALBERT EINSTEIN


COMO VEJO O MUNDO


"Minha condição humana me fascina. Conheço o limite de minha existência e ignoro por que estou nesta terra, mas às vezes o pressinto. Pela experiência cotidiana, concreta e intuitiva, eu me descubro vivo para alguns homens, porque o sorriso e a felicidade deles me condicionam inteiramente, mas ainda para outros que, por acaso, descobri terem emoções semelhantes às minhas. E cada dia, milhares de vezes, sinto minha vida - corpo e alma - integralmente tributária do trabalho dos vivos e dos mortos. Gostaria de dar tanto quanto recebo e não paro de receber. Mas depois experimento o sentimento satisfeito de minha solidão e quase demonstro má consciência ao exigir ainda alguma coisa de outrem. Vejo os homens se diferenciarem pelas classes sociais e sei que nada as justifica a não ser pela violência. Sonho ser acessível e desejável para todos uma vida simples e natural, de corpo e de espírito. Recuso-me a crer na liberdade e neste conceito filosófico. Eu não sou livre,  e sim às vezes constrangido por pressões estranhas a mim, outras vezes por convicções íntimas. Ainda jovem, fiquei impressionado pela máxima de Schopenhauer: "O homem pode, é certo, fazer o que quer, mas não pode querer o que quer"; e hoje, diante do espetáculo aterrador das injustiças humanas, esta moral me tranquiliza e me educa. Aprendo a tolerar aquilo que me faz sofrer. Suporto então melhor meu sentimento de responsabilidade. Ele já não me esmaga e deixo de me levar, a mim ou aos outros, a sério demais. Vejo então o mundo com bom humor. Não posso me preocupar com o sentido ou a finalidade de minha existência, nem da dos outros, porque, do ponto de vista estritamente objetivo, é absurdo. E no entanto, como homem, alguns ideais dirigem minhas ações e orientam meus juízos. Porque jamais considerei o

prazer e a felicidade como um fim em  si e deixo este tipo de satisfação aos indivíduos reduzidos a instintos de grupo. Em compensação, foram ideais que suscitaram meus esforços e me permitiram viver. Chamam-se o bem, a beleza, a verdade. Se não me identifico com outras sensibilidades semelhantes à minha e se não me obstino incansavelmente em perseguir este ideal eternamente inacessível na arte e na ciência, a vida perde todo o sentido para mim. Ora, a humanidade se apaixona por finalidades irrisórias que têm por nome a riqueza, a glória, o luxo. Desde moço já as desprezava. Tenho forte amor pela justiça, pelo compromisso social. Mas com muita dificuldade me integro com os homens e em suas comunidades. Não lhes sinto a falta porque sou profundamente um solitário. Sinto-me realmente ligado ao Estado, à pátria, a meus amigos, a minha família no sentido completo do termo. Mas meu coração experimenta, diante desses laços, curioso sentimento de estranheza, de afastamento e a idade vem acentuando ainda mais essa distância. Conheço com lucidez e sem prevenção as fronteiras da comunicação e da harmonia entre mim e os outros homens. Com isso perdi algo da

ingenuidade ou da inocência, mas ganhei minha independência. Já não mais firmo uma opinião, um hábito ou um julgamento sobre outra pessoa. Testei o homem. É inconsistente.A virtude republicana corresponde a meu ideal político. Cada vida encarna a dignidade da pessoa humana, e nenhum destino poderá justificar uma exaltação qualquer de quem quer que seja. Ora, o acaso brinca comigo. Porque os homens me testemunham uma incrível e excessiva admiração e veneração. Não quero e não mereço nada. Imagino qual seja a causa profunda, mas quimérica, de seu sentimento. Querem compreender as poucas idéias que descobri. Mas a elas

consagrei minha vida, uma vida inteira de esforço ininterrupto. Fazer, criar, inventar exigem uma unidade de concepção, de direção e de responsabilidade. Reconheço esta evidência. Os cidadãos executantes, porém, não deverão nunca ser obrigados e poderão escolher sempre seu chefe. Ora, bem depressa e inexoravelmente, um sistema autocrático de domínio se instala e o ideal republicano degenera. A violência fascina os seres moralmente mais fracos. Um tirano vence por seu gênio, mas seu sucessor será sempre um rematado canalha. Por esta razão, luto sem tréguas e apaixonadamente contra os sistemas dessa natureza, contra a Itália fascista de hoje e contra a Rússia soviética de hoje. A atual democracia na Europa naufraga e culpamos por esse naufrágio o desaparecimento da ideologia republicana. Aí vejo duas causas terrivelmente graves. Os chefes de governo não encarnam a estabilidade e o modo da votação se revela impessoal. Ora, creio que os Estados Unidos da América encontraram a solução desse problema. Escolhem um presidente responsável eleito por quatro anos. Governa efetivamente e afirma de verdade seu compromisso. Em compensação, o sistema político europeu se preocupa mais com o cidadão, com o enfermo e o indigente. Nos mecanismos universais, o mecanismo Estado não se impõe como o mais indispensável. Mas é a pessoa humana, livre, criadora e sensível que modela o belo e exalta o sublime, ao passo que as massas continuam arrastadas por uma dança infernal de imbecilidade e de embrutecimento. A pior das instituições gregárias se intitula exército. Eu o odeio. Se um homem puder sentir qualquer prazer em desfilar aos sons de música, eu desprezo este homem... Não merece um cérebro humano, já que a medula espinhal o satisfaz. Deveríamos fazer desaparecer o mais depressa possível este câncer da civilização. Detesto com todas as forças o heroísmo obrigatório, a violência gratuita e o nacionalismo débil. A guerra é a coisa mais desprezível que existe. Preferiria deixar-me assassinar a participar desta ignomínia.No entanto, creio profundamente na humanidade. Sei que este câncer de há muito deveria ter sido extirpado. Mas o bom senso dos homens é sistematicamente corrompido. E os culpados são: escola, imprensa, mundo dos negócios, mundo político. O mistério da vida me causa a mais forte emoção. É o sentimento que suscita a beleza e a verdade, cria a arte e a ciência. Se alguém não conhece esta sensação ou não pode mais experimentar espanto ou surpresa, já é um

morto-vivo e seus olhos se cegaram. Aureolada de temor, é a realidade secreta do mistério que constitui também a religião. Homens reconhecem então algo de impenetrável a suas inteligências, conhecem porém as manifestações desta ordem suprema e da Beleza inalterável. Homens se confessam limitados e seu espírito não pode apreender esta perfeição. E este conhecimento e esta confissão tomam o nome de religião. Deste modo, mas somente deste modo, soa profundamente religioso, bem como esses homens. Não posso imaginar um Deus a recompensar e a castigar o objeto de sua criação. Não posso fazer idéia de um ser que sobreviva à morte do corpo. Se semelhantes idéias germinam em um espírito, para mim é ele um fraco, medroso e estupidamente egoísta. Não me canso de contemplar o mistério da eternidade da vida. Tenho uma intuição da extraordinária construção do ser. Mesmo que o esforço para compreendê-lo fique sempre desproporcionado, vejo a Razão se manifestar na vida. 





AOS 77 ANOS DE IDADE

Aos sessenta e sete anos de idade, preparo-me para escrever algo que é como o meu obituário. Não o faço unicamente devido à insistência do Dr. Schilpp, mas porque na verdade acredito que é válido mostrar àqueles que lutam ao nosso lado uma retrospectiva da nossa própria luta e das nossas pesquisas. Após alguma reflexão, concluí que essa tentativa provavelmente será imperfeita. Pois, por mais breve e limitada que seja a carreira de um homem, e por maior que seja o índice de erro possível, a exposição de tudo aquilo que é digno de ser comunicado não é fácil tarefa - um homem com sessenta e sete anos não é de modo nenhum o mesmo homem que era aos 50, 30 ou 20. Todas as reminiscências são coloridas com os tons do presente, vistas portanto sob uma falsa perspectiva. Essa consideração poderia ser suficiente para me deter. Contudo, há muita coisa na nossa experiência que não é evidente ao pensamento de muitos.

  

JUVENTUDE


Quando eu era um jovem razoavelmente precoce, fiquei impressionado com a futilidade das esperanças e dos esforços que .atormentam incansavelmente os homens durante toda a sua vida. Além disso, muito cedo percebi a crueldade dessa busca, que naquele tempo era muito mais cuidadosamente disfarçada pela hipocrisia e por palavras brilhantes. Todos estavam condenados a participar dessa busca pela mera existência dos seus estômagos. O estômago talvez se saciasse com essa participação, mas não o homem, na medida em que é um ser pensante e dotado de sentimentos. A primeira válvula de escape era a religião, implantada nas crianças pela máquina educadora tradicional. Assim - embora fosse filho de pais absolutamente não-religiosos (judeus) -, entreguei-me a uma religiosidade profunda, que terminou abruptamente quando tinha apenas doze anos. A leitura de livros científicos populares convenceu-me de que a maioria das histórias da Bíblia não podia ser real. A conseqüência foi uma orgia positivamente fanática de livre-pensamento, combinada com a impressão de que a juventude é decididamente enganada pelo Estado, com mentiras; foi uma descoberta esmagadora. Essa experiência fez com que passasse a desconfiar de todo tipo de autoridade, adotando uma

atitude cética quanto às convicções vigentes em qualquer ambiente social específico - urna atitude que jamais abandonei, embora mais tarde tenha sido amenizada por uma visão mais perfeita das conexões causais.


O QUE É O PENSAMENTO


O que, exatamente, é o pensamento? Quando, na percepção das impressões sensoriais, emergem figuras da memória, isto ainda não é "pensar". E quando esses quadros formam seqüências, cada membro criando o outro, isto também ainda não é "pensar". Porém, quando uma cena figura aparece em várias seqüências, nesse caso - precisamente devido a essa recorrência - torna-se um elemento de organização para tais seqüências, no sentido de unir seqüências que por si mesmas não se relacionam entre si. Esse elemento vem a ser um instrumento, um conceito. Creio que a transição da livre associação ou "sonho" para o pensamento caracteriza-se pelo papel mais ou menos importante representado pelo conceito, Não é de modo algum necessário que o conceito esteja ligado a um signo que possa ser reconhecido e reproduzido pelos sentidos (palavra), mas, quando isto se dá, o pensamento torna-se, por esse meio, capaz de ser comunicado. 


CONCEITOS E PENSAMENTOS

Com que direito - perguntará o leitor - o homem opera com tal descuido e de forma tão elementar com idéias, nesse reino tão problemático, sem ao menos tentar provar alguma coisa? Minha defesa: todos os nossos pensamentos têm a natureza do jogo livre dos conceitos; a justificativa desse jogo está no grau de compreensão das sensações que podemos alcançar com a sua ajuda. O conceito de "verdade" não pode ainda ser aplicado a essa estrutura; na minha opinião, esse conceito só é aplicável quando temos à mão um acordo (convenção) que abrange os elementos e as regras do jogo.



Não tenho dúvidas de que o nosso pensamento se processa, na maior parte das vezes, sem o uso dos signos (palavras) e, além disso, em grande parte inconscientemente. Se assim não fosse, como seria possível "lembrarmos com estranheza" e de forma espontânea uma determinada experiência? Essa "lembrança inquisitiva" pode ocorrer quando a experiência está em conflito com conceitos bem estabelecidos em nossa mente. Sempre que experimentamos esse conflito aguda e intensamente, ele reage contra nosso mundo mental de modo decisivo. O desenvolvimento desse mundo mental é, em certo sentido, uma fuga constante do "pensamento de estranheza". 



Aos 4 ou 5 anos, experimentei esse sentimento quando meu pai mostrou-me uma bússola, O fato de a agulha comportar-se de uma certa forma não se encaixava entre os tipos de ocorrências que podiam ser colocados no mundo inconsciente dos conceitos (eficácia produzida pelo "toque" direto). Lembro-me ainda - ou pelo menos creio que me lembro - que essa experiência causou-me uma impressão profunda e duradoura. Devia haver algo escondido nas profundezas das coisas. Aquilo que o homem conhece desde a infância não provoca esse tipo de reação; não se surpreende com o vento e a chuva, com a lua, nem com o fato de essa mesma lua não cair do céu, ou com as diferenças entre a matéria viva e a matéria sem vida.  



AOS 12 ANOS DE IDADE

Aos doze anos experimentei minha segunda sensação de espanto, de natureza

completamente diversa da primeira, provocada por um livrinho de geometria plana de Euclides, que veio ter às minhas mãos no início do ano escolar. Aí estavam afirmações como, por exemplo, a intersecção das três alturas do triângulo num determinado ponto que - embora não fosse evidente - podia ser provada com tal certeza que qualquer dúvida estava fora de cogitação. Esta certeza lúcida impressionou-me profundamente. O fato de os axiomas serem aceitos sem prova não me perturbou. De qualquer forma, era bastante poder basear as provas em proposições cuja validade me parecia livre de qualquer dúvida. Por exemplo, lembro-me que um tio me falou sobre o teorema de Pitágoras antes que eu tivesse lido o livrinho sagrado de geometria. Com

muito esforço consegui "provar" esse teorema, tomando como base a similaridade dos triângulos; parecia-me "evidente" que as relações dos lados dos triângulos de ângulos retos teriam de ser completamente determinadas por um dos ângulos agudos. Para mim, apenas as idéias que não eram evidentes dessa forma precisavam ser provadas. Além disso, os objetos tratados pela geometria não me pareciam diferentes dos objetos da percepção sensorial "que podem ser vistos e tocados". Esse conceito primário, que provavelmente está no fundo da conhecida crítica de Kant sobre a possibilidade de "julgamentos sintéticos a priori", repousa obviamente no fato de que a relação dos conceitos geométricos com os objetos da experiência direta (barra rígida, intervalo finito etc.) existia no inconsciente.



Assim, se aparentemente é possível chegar-se a um conhecimento dos objetos da experiência por meio do pensamento puro, essa "estranheza" tinha como base o erro. Contudo, para quem a experimenta pela primeira vez, parece maravilhoso o homem ser capaz de alcançar tal grau de certeza e de pureza de pensamento, como nos demonstraram os gregos com sua geometria. Agora que tomei um desvio, interrompendo o meu obituário apenas iniciado, não hesitarei em apresentar em poucas palavras meu credo epistemológico, embora já tenha dito algo sobre o mesmo nas considerações acima expostas. Na verdade, esse credo desenvolveu-se muito mais tarde, e lentarnente, e não corresponde ao meu modo de pensar quando era jovem.



12 A 16 ANOS DE IDADE

Voltemos agora ao obituário. Dos doze aos dezesseis anos, familiarizei-me com os elementos da matemática, incluindo os princípios do cálculo diferencial e cálculo integral. Tive a sorte de encontrar livros que não se preocupavam com o rigor lógico, mas que permitiam a apresentação clara das idéias principais. Era um trabalho verdadeiramente fascinante; certos pontos extremos me impressionavam tanto quanto os da geometria elementar - a idéia básica da geometria analítica, as séries infinitas, os conceitos de derivadas e de integrais. Tive a sorte também de aprender os resultados essenciais e os métodos de todo o campo das ciências naturais, numa excelente obra popular que se limitava quase que exclusivamente aos aspectos qualitativos (Bernstein, Popular Books on Natural Science, em cinco ou seis volumes), e que li com absorvente atenção. já estudara também um pouco de física teórica quando, com dezessete anos, entrei para o Instituto Politécnico de Zurique para estudar matemática e física.



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