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sábado, 1 de maio de 2010

OUTONO - Luis Leal Filho


Carlos Marighella faleceu em 04 de novembro de 1969 e foi sepultado "a toque de caixa", ou a "manu militari", na época do "hoje você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão" (Apesar de Você -Chico Buarque) Os militares ditavam as ordens e o bravo Marighella foi sepultado do jeito que os militares queriam.

A ditadura infundia medo, o regime era de terror, de arbitrariedades,crimes, injustiça e muita repressão. O Brasil mergulhava nas Trevas!

Passados 10 anos do seu sepultamento, em 10 de dezembro de 1979, aconteceu o traslado dos restos mortais de Carlos Marighella, de São Paulo para Salvador. Luz !

Antes do ato, foram distribuídos uma especie de convite, que continha a extraordinária poesia da na menos brava, Ana Montenegro, de grata recordação. O ato seria no cemitério das Quintas dos Lázaros, que é um cemitério mais humilde da cidade do Salvador.

Marighella, Lamarca, Che Guevara, cada qual em seu tempo, são, para mim, heróis e se tornaram em ícones da resistência democrática. Como esquecer a história de cada um destes homens ?

É bonito ver alguém abraçar uma causa e lutar por ela.  Os covardes não fazem história, tenho que concordar. Eles abriram e desbravaram caminhos em busca das liberdades democráticas, arrancadas do povo Brasileiro por um nefasto golpe militar, de triste lembrança.

Todos três foram "apunhalados" pela brutalidade, traiçoeira, dos covardes. Cristo foi crucificado, não menos de modo covarde, porque oferecia risco aos poderosos da época. O catolicismo não mente quando diz que Jesus deu a vida por nós, pela crença dele. Do mesmo modo Marighella, Lamarca  e Che Guevara deram suas vidas ao povo e, do mesmo modo, foram assassinados e deram suas vidas por nós, por uma causa justa. Infelizes os que derramaram o sangue de todas as personalidades de vulto da humanidade em nome da tirania, do despotismo. 

Marighella, Guevara e Lamarca eram homens audaciosos. Se vivêssemos nos tempos dos caubóis, não teria um militar capaz de duelar com qualquer deles. O combate contra eles foi covarde, marcado pelo medo e sobretudo desigual !

Todos três ícones, por ironia, assassinados na primavera, que marca o renascer das folhas, das flores anunciando os frutos do futuro. Que viriam e que vieram!

A primavera é uma estação bonita e não havia beleza alguma na morte de nenhum dos três.  Era o tempo do "Faz escuro, mas eu canto, porque o amanhã vai chegar", de gigante poeta exilado,Thiago de Melo.

Interiormente, não era primavera, mas outra estação, assemelhada ao inverno, ou outono. 

Não foi surpresa pra mim ler no convite a palavra “outono, 1969, Berlin” antecedendo a poesia de Ana Montenegro, dando a alguns, a impressão de que teria sido um ato falho, um lapso, ou um equivoco.  Isto por que Marighella morreu em plena primavera. Tudo bem, morreu na primavera, mas Ana Montenegro externava o seu outono interior, do exterior, onde a estação era o outono. Erraram os que não souberam decodificar o que o sentimento dela traduzia naqueles versos e no contexto histórico em que foi escrito.

Ana estava no exílio, abatida e profundamente sentida com a inesperada partida do companheiro, que a fez ingressar no PCB. Ela sentia profundamente aquela imensa perda e era uma dor a mais que sentia.

No outono, em Berlin, as folhas vão mudando de cor, forma-se um espetáculo colorido nas árvores. A temperatura cai e faz muito frio. A temperatura vai gradativamente se elevando com o passar dos meses.

Antes da Primavera chegar  pode chegar a temperatura pode chegar até 18 graus Celsius.


Como em um videoclipe vejo as folhas tombando sobre o chão, amareladas, compondo outro cenário, bonito, mas tristonho para quem via o Brasil mergulhado no obscurantismo de uma época. Outono na Alemanha, primavera no Brasil.  Enquanto Ana Montenegro percorria ruas desertas, no frio e na escuridão da noite, em Berlin, ela sonhava com um Brasil Livre e sabia que a luta continuava.

Escrevo, em Salvador, Bahia, Brasil, e nunca fui ao "velho mundo", é bom dizer, mas posso descrever como é o outono por lá.

 Aqui, na Bahia, antiga região Leste do Brasil, as estações se resumem a, praticamente, duas: inverno e verão. 

Mas o que me interessa, mesmo, é falar do outono de 1969, de Ana Montenegro.

No poema ela inverte as estações, propositadamente. Cabe ao leitor sentir a empatia que os versos irradiam. O sentimento dela era de perda, de luto. Outono é mais ou menos isso. Uma estação reflexiva. Ela, uma exilada, imaginando como foi o enterro do amigo, sem o calor humano que, em tempos normais, de democracia , ele teria recebido, no derradeiro instante, com as homenagens e o cortejo merecido.

Ela escrevia e sentia, como se tivesse assistido tudo. Como se pudesse ver o que acontecia em São Paulo.

Sabia do enterro melancólico para todos, principalmente para os familiares.  Era treva e estávamos na primavera. Tristes e vazios, como uma árvore no outono.

"Como velas, flores, povo  e gestos, se tudo era escuridão?"

Os companheiros, tristes, abatidos e imobilizados naquele momento, naquela primavera em que não haviam flores, mas companheiros caídos, como folhas mortas que caem pelo chão.

Sim, era primavera, mas o coraçõe batia triste. Os sinos não podiam dobrar por ele. Silêncio, meditação. Nada para celebrar, nem mesmo missa.  O coração de Ana estava vazio como uma árvore sem folhas. Ela sentia e sabia que a luta não estava vencida. Novas batalhas viriam. Mirava  o porvir falando-nos de uma futura primavera, de um novo alvorecer, dando-nos conforto e esperança. 

Este poema, que ela fez, dedicado a Marighela, deveria intitular-se OUTONO. Por que era exatamente o outono, que Ana quis externar e retratar no Brasil e que, poeticamente. traduziu em versos. Por quê não colocou o título ? Eu respondo perguntando: então porque colocou outono, se podia, simplesmente, colocar, Berlin, 1969? 

Vejamos os versos finais :

"Mas luz, e flor, e povo, e canto
responderão “presente”, chegada
a primavera mesmo que tardia!"

Trazer o corpo de Marighella à Bahia foi uma conquista e a primavera estava chegando, como chegou, felizmente! Ela, ANA MONTENEGRO, assistiu a primavera que sonhou ver um dia!

E o bom de tudo é que Marighella é eterno como o sempre. Morreu na primavera e brotou como flores que prenunciam sementes e frutos, nos corações de milhares de brasileiros. Marighella vive!

Pra finalizar coloco trecho de pequeno conto que li na internet:

 ..."ela reparou que na praça central, um velho jardineiro começava o seu serviço em meio as flores.
Ela viu que mesmo com nenhuma flor, o jardineiro cuidava de uma roseira. Como que institivamente,
perguntou:

- O senhor não acha que seu serviço de nada serve? No outono as rosas caem e ficam feias.
Não adianta aguar, adubar. Elas permanecerão assim.

O velho parou momentaneamente o seu serviço, olhou para a garota e disse:

- Depende do ponto de vista. Sempre que as rosas secam e uma só pétala cai, outra vai abaixo. Porém, prefiro pensar que depois, na primavera, elas florescerão mais lindas ainda.


Fonte do conto: http://freckledguitar.blogspot.com/2009_04_19_archive.html

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