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sexta-feira, 16 de abril de 2010

ODE AO DOIS DE JULHO - Castro Alves

ODE AO DOIS DE JULHO
Castro Alves

Era no Dous de Julho. A pugna imensa
Travara-se nos cerros da Bahia...
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá.
"Neste lençol tão largo, tão extenso,
"Como um pedaço roto do infinito ...
O mundo perguntava erguendo um grito:
"Qual dos gigantes morto rolará?! ...


Debruçados do céu. . . a noite e os astros
Seguiam da peleja o incerto fado...
Era tocha - o fuzil avermelhado!
Era o Circo de Roma - o vasto chão!
Por palmas - o troar da artilharia!
Por feras - os canhões negros rugiam!
Por atletas - dous povos se batiam!
Enorme anfiteatro - era a amplidão!


Não! Não eram dous povos os que abalavam
Naquele instante o solo ensangüentado...
Era o porvir - em frente do passado,
A liberdade - em frente à escravidão.
Era a luta das águias - e do abutre,
A revolta do pulso - contra os ferros,
O pugilato da razão - com os erros,
O duelo da treva - e do clarão! ...


No entanto a luta recrescia indômita
As bandeiras - corno águias eriçadas -
"Se abismavam com as asas desdobradas
Na selva escura da fumaça atroz...
Tonto de espanto, cego de metralha
O arcanjo do triunfo vacilava...
E a glória desgrenhada acalentava
O cadáver sangrento dos heróis!


Mas quando a branca estrela matutina
Surgiu do espaço e as brisas forasteiras
No verde leque das gentis palmeiras
Foram cantar os hinos do arrebol,
Lá do campo deserto da batalha
Uma voz se elevou clara e divina.
Eras tu - liberdade peregrina!
Esposa do porvir - noiva do Sol!...


Eras tu que, com os dedos ensopados
No sangue dos avós mortos na guerra,
Livre sagravas a Colúmbia terra,
Sagravas livre a nova geração!
Tu que erguias, subida na pirâmide
Formada pelos mortos do Cabrito,
Um pedaço de gládio - no infinito...
Um trapo de bandeira - n'amplidão!...


Comentário do Blog :
À título de curiosidade

os versos marcados em negrito/vermelho foram, em determinada ocasião, alterados e publicados por Afrânio Peixoto, que via no verso uma contradição: como a liberdade poderia ser esposa do porvir e noiva do sol?
 
Acreditava que Castro Alves teria cometido um deslize literário e acabou cometendo um grave erro ao adulterar os versos do poeta, publicando-os adulterados. Ele achava, neste caso, que a "Liberdade" - em maiúscula - não poderia ser adúltera.
 

A liberdade é um desejo de toda a humanidade, uma aspiração natural. A liberdade é como a Tereza da Praia, de Tom e Billy Blanco: não é minha, nem dele, nem de ninguém, principalmente na época em que a luta contra a escravidão advinha do anseio crescente de alforria. Nesse tempo, Castro Alves foi muito feliz em exaltar a liberdade, confrontando-a com o tráfico de escravos, contra o qual lutava.
 
Absurda a idéia de Afrânio, que recuou e devolveu à posteridade os versos autênticos de Castro Alves, como ele os concebeu, redimindo-se do estelionato literário. Infelizmente deixou publicar a adulteração dos versos.

O ingresso de Afrânio na Academia de Letras da Bahia, fundada por Arlindo Fragoso, como ocupante da cadeira que tinha por patrono Pedro Eunápio da Silva Deiró, deveria ser bem aceita por ele, vez que Deiró e Castro Alves eram amigos.
 
Afrânio já era membro titular da Academia Brasileira de Letras, cujo ingresso, vale dizer, gerou polêmica, e não convém retratar o fato aqui. Como não convém citar a censura, só há poucos anos desfeita, de poesias de um determinado autor, já falecido, em nome do conservadorismo (dele, ou da época?).

Na condição de ocupante da cadeira cujo patrono era Eunapio Deiró,  que havia produzido muitas obras importantes, valendo-se, geralmente, de pseudônimos e com largo circulo de amizade no Brasil, além de ter sido amigo do pai de Castro Alves, Dr. Antônio de Castro Alves, esperava-se outro comportamento condizente com a sua posição a nível nacional.
 
É possivel que Afrânio desconhecesse o valor do santoamarense. Mostrou-se descontente e insatisfeito por não ter ocupado a vaga da cadeira que tinha como patrono Castro Alves, que tanto idolatrava, ainda que de modo exacerbado.
 
Por preconceito, vaidade, ou seja lá o quê, revelava-se voluntarioso e bastante incomodado em não ter sido atendido como ocupante da cadeira número um da Academia. Sonhava com Castro Alves.
 
Deiró era formado em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito de Olinda, ou Recife. Afrânio, formado médico pela Bahia, natural da cidade de Lençóis. Deiró já falecido. Afrânio ainda vivissimo.  Um não podia esclarecer nada, o outro poderia falar tudo, pois os mortos não se defendem.
 

Essa fixação do médico psiquiatra para ocupar a cadeira de Castro Alves mediante transferência, me pareceu desajustada e desmedida, talvez um misto de capricho, vaidade e orgulho, o movesse para escrever diversas cartas suplicando mudança de cadeira, sem a correspondente aceitação da Academia Baiana, o que o deixava frustrado.
 
 A inconformidade continuou incomodando-o por vários anos, até que, em carta endereçada à presidência da Academia, argumentou que Deiró havia chamado Castro Alves de plagiário. Um recurso baixo e falacioso. Acabou, por fim, sendo atendido por um colega médico, talvez pela insistência continuada. 

Valeu-se de um argumento pouco enaltecedor, mas, àquela altura, o fim justificava os meios e as vaidades. Possivelmente influenciado pelo romancista Xavier Marques, chegou ao ponto de dizer que Deiró havia chamado Castro Alves de plagiário,  desconhecendo pormenores das boas relações existentes entre Eunápio com Dr. Antônio Alves, e, por conseguinte, com a família Castro Alves e poeta.
 

Bom acrescentar que o poeta, ao regressar do Recife, procurou Deiró para submeter ao ilustre crítico literário sua obra de arte: Gonzaga. Deiró ficou encantado. Mas no curso das conversas, em clima descontraído, Deiró, impressionado, indagou a Castro Alves se o mesmo já havia lido André Chénier; não que ele visse no poeta algum plágio, mas a influência da escola francesa. Castro Alves disse que não e brincou dizendo: - Eis-me aqui um plagiário! As ilações malévolas extraídas de um depoimento dado por Deiró, com grande espaçamento de tempo, deve ter alcançado os ouvidos de Afrânio, que se valeu da estória, e não história, para diminuir um proeminente patrono da cadeira que lhe era destinada, e da qual nunca pediu para se retirar, fosse verdade os motivos alegados. Tamanho seria o desconforto em não ser atendido que a um homem de bem, e da estirpe dele, face à recusa em atende-lo só restaria pedir licença e sair, deixando a cadeira vaga, o que não fez.

Fato marcante é que Castro Alves obteve de Deiró a mais extensa crítica da peça Gonzaga, a primeira de todas produzida e publicada no Brasil. Uma verdadeira crítica de louvação e consagração para o poeta, que ofereceu a Deiró cópia inédita de A Hebreia, e que foi ineditamente publicada no mesmo corpo da crítica de louvação. Este fato ficou desconhecido pelos que escrevem sobre o poeta. Talvez pela falta de acesso a determinados jornais da época.

Os biógrafos de Castro Alves, salvo poucos, como Pedro Calmon, não citam Deiró, quase que apagando-o da história. Uma das últimas cartas do poeta a Deiró manifesta a estima e respeito que um nutria pelo outro, além da confiança recíproca.

Vale acrescentar que Eunápio Deiró era amigo de todos aqueles que ajudaram a Castro Alves no cenário nacional: o senador Fernandes da Cunha (Deiró escrevia discuros para o mesmo), José de Alencar (seu colega no parlamento federal) e de Machado de Assis, enquanto se evidencia um forte empurrão de Deiró junto aos três amigos comuns, com a discrição que o caracterizava. Coube ao amigo Fernandes da Cunha recomendar o poeta a José de Alencar e este a Machado de Assis, todos eles envolvidos, parcimoniosamente, na causa da abolição da escravatura. Ainda se conhece muito pouco sobre Eunápio Deiró e, na medida em que vamos desmistificando inverdades, ele vai sendo redescoberto e colocado em posição de relevo. A Biblioteca Nacional já levantou inúmeros trabalhos do mesmo e ainda é pouco. O Senado Federal já disponibiliza, pelo menos, uma obra do escritor ainda pouco conhecido. Particularmente venho pesquisando a genealogia deste santo-amarense, que precisa ser resgata do esquecimento. Esta é nossa pretensão. 


Um comentário:

Anônimo disse...

A ideia de Afrânio Peixoto era terrível mesmo, mas para evitar a confusão, Castro Alves poderia escrever "Esposa do porvir - irmã do sol". Ele, dessa forma, evitaria a contradição (que existe, embora seja inócua) e aperfeiçoaria a métrica, afinal a sílaba tônica está no "noiVA" e "irmã" encaixaria na musicalidade, sem perder significado.

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