Outro dia tomei um taxi rumo ao hospital em que minha mãe se encontrava internada. No trajeto o taxista comentava a rádio Metropole, de Mario. Era puro elogio. De repente o celular toca e o taxista atende. Falava com Aninha, uma jornalista, sobre um papagaio. Depois referiu-se a Albergaria, de quem gosta muito. Curioso foi ter qualificado o grande antropologo como "maluco". Entretanto este adjetivo empregado era sinônimo de genialidade, vez que o gênio e o louco são, para nós, fronteiriços. Depois referia-se a Sebastião Nery como um sujeito muito culto e esclarecia: - também quase chegou a ser padre! Tinha que dar risada, dos dois casos e dos dois gênios mencionados pelo taxista. Foi uma viagem divertida, até porque o taxista tem uma boa prosa. Bem, vou transcrever um artigo de Sebastião Nery, que dispensa maiores comentários, basta dizer que ele é um homem completo.
HISTORIAS
RIO – Ele entrou no gabinete do senador Edson Lobão, jornalista e maranhense como ele. O senador o apresentou a um senhor sentado ao lado que, ao ouvir-lhe o nome, se surpreendeu :
- Mas Mauritono Meira é o nome da minha rua!
Era o prefeito de sua terra, Mirador, pequena cidade do Maranhão, onde Mauritonio nasceu em 1930. O prefeito, cidadão simples, continuava surpreso de conhecer o homem que deu o nome à principal rua de sua cidade :
- Puxa, vida! O senhor é tão moço! Eu pensei que o senhor já tivesse morrido há muito tempo.
Mauritonio Meira foi sempre tocado por algumas pequenas e enormes alegrias, como o reveillon que passava todo ano em Paris e ser nome da ruazinha de sua pequena Mirador, lá no interior do Maranhão.
Aos 16 anos, saiu de lá e foi estudar e trabalhar em Recife. Com 18 anos, já publicava crônicas e contos nos grandes jornais. Com 23 anos, em 53, Samuel Wainer o trouxe para a Ultima Hora, no Rio, onde foi tudo:de repórter policial a colunista diário, repórter internacional, chefe de redação, diretor.
Saiu para o Jornal do Brasil, onde fez coluna diária e dirigiu o jornalismo da Radio JB. Repórter das revistas “O Cruzeiro” e “Time”, foi editor-chefe do Diário Carioca e, desde 78, editou sua “Revista Nacional”.
Muito cedo, seu primeiro livro, novela e contos, “Passagem Para o Amanhã” (da Martins Editora), calorosamente saudado por Manuel Bandeira, Raquel de Queiroz, Jorge Amado, Adonias Filho, Antonio Houaiss, Antonio Olinto, Eduardo Portella, Antonio Carlos Vilaça, fez muito sucesso, ganhando o premio do Instituto Nacional do Livro, maior láurea literária da época.
Brilhante contador de historias, o ultimo livro dele, “Historias Alegres do Povo Brasileiro”, é um testemunho bem humorado da política, da literatura, da imprensa, da propaganda, que intensamente viveu, ou com que conviveu, durante mais de meio século, desde Pernambuco, sobretudo no Rio. Contou historias muitas dos políticos que acompanhou durante meiuo século.
Almôço numa churrascaria de Brasília: Adauto Lucio Cardoso (UDN), Abelardo Jurema (PSD), Doutel de Andrade, Guilherme Machado e Ernani Satiro (UDN). Outro deputado começou a traçar um retrato muito critico do ex-ministro da Guerra e ex-presidente marechal Dutra : burro, sargentão, etc.
Adauto Cardoso ouvia pacientemente, interrompeu :
- Meu amigo, ele é tudo isso que o senhor está dizendo? Bendita burrice. Ele foi presidente da República. E nós, inteligentes, competentes, gênios, não fomos e não seremos.
Tancredo Neves, do PSD mineiro, era primeiro-ministro, em 62, no governo parlamentarista de João Goulart. Convidou Mauritonio para almoçar no dia seguinte com ele, na casa dele. De manhã, ante de ir para o almoço, Mauritonio passou pela Câmara e assistiu a um violento discurso do deputado Padre Vidigal, do PSD de Minas, contra o primeiro ministro Tancredo Neves.
Saiu dali, foi para a casa de Tancredo. Quando tocou a campainha, quem abriu a porta foi o Padre Vidigal :
- Mas, deputado, o senhor aqui? Meia hora atrás, o senhor dava um terrível banho de criticas no Tancredo.
- Você ainda vai ter que aprender muito aqui em Brasília. Nenhum mineiro resiste a um convite, seja de quem for, para comer frango com quiabo.
Os três comeram juntos o frango com quiabo.
Henri Ford II, presidente da Ford, vinha ao Brasil para uma grande festa da empresa, em São Paulo. O presidente da Ford brasileira, Eugene Knutsen, convocou a agencia Thompson, dona da conta, consultou publicitários amigos de outras agencias, como Mauro Salles, e até trouxe dos Estados Unidos dois engenheiros eletrônicos para prepararem toda a parafernália de som.
Microfone, alto-falantes, caixas de som, instalaram tudo em dobro. Se um pifasse, o outro estava ali pronto para substituir. Meia hora antes, checaram tudo. Tudo OK, inclusive o discurso de mister Ford, que, para fazer charme, começava com uma simpática frase em português.
Falaram todos os oradores, Eugene Knutsen, autoridades brasileiras. Tudo saiu perfeito. Mister Ford pegou o microfone para falar e encerrar:
- Meus amigos, eu me sinto muito feliz...
Pifou todo o sistema de som. Silencio absoluto. Mister Ford perplexo. Corre-corre,publicitários e engenheiros desesperados,tentando ligar o segundo sistema, sobressalente, e nada. Tudo estava em dobro. Menos a tomada.
Em Paris, no reveillon de 91, Mauritonio estava desanimado com 92. Não ia haver eleição e não era mais o primeiro ano do governo:
- No Brasil só presta ano de eleição ou primeiro ano de governo. No ano da eleição, fazem alguma coisa para ganharem o voto.No primeiro ano, também fazem alguma coisa porque ainda não esqueceram o que prometeram.
A partir daí, esquecem tudo e ainda não sabem em que mentir de novo.
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